a sociologia de drogar-se


Obs: quando digo drogas aqui não me refiro só às ilegais, mas sim qualquer coisa que altere o estado de consciência) 


Quão engraçado é o conceito de espairecer?

Quão catártico é o movimento de várias pessoas jovens se reunirem num espaço apertado ,vestirem pouca roupa, se entorpecerem ao mesmo tempo, se relacionarem.

Eu não tô reclamando! Seria hipocrisia minha

Só é minimamente curioso

As vezes tenho o pensamento de que se as faculdades fossem menos difíceis de entrar, as festas seriam mais chatas.


Talvez se o Tusca não fosse da usp, menos pessoas morressem.


Coisas assim, quanto mais obrigações maior a vontade de extravasar. É muito curioso mesmo. É uma vontade de errar.

É tipo uma noite de expurgo.



Mas, e se fosse proibido? 

E se fizessem um experimento de fazer uma universidade inteira ter 4 anos de aula sem nenhuma festa, nenhum tipo de consumo alcoólico, de cigarro, de nada que drogue. 

Nesse caso eu acho que as pessoas transariam mais. E se não pudessem transar também, então se beijariam mais. E se não pudessem beijar, talvez dançassem bem perto, e se não pudessem talvez desenvolvessem algum jeito muito muito intenso de flertar pelo olhar, e a lista continua. O ser humano acha um jeito. Na verdade, a natureza acha um jeito. Árvores que crescem privadas de sol se inclinam na direção dele. Populações com as melhores mutações genéticas tem chances maiores de sobreviver, coisas assim. Algum jeito de extravasar e se arriscar a gente encontraria.

Engraçado também é que nesse contexto hipotético, assim que é retirada a figura da droga surge a figura imediata do sexo. 

Acho que sexo também é muito catártico 

Quando penso um pouquinho eu chego a conclusão de que a loira que cursa publicidade e propaganda no Mackenzie não sente o mesmo desejo de beijar estranhos numa sexta a noite que a menina que cursa engenharia integral na unesp, trabalha e estagia. 


É uma vontade de ser confortado talvez

De ser abraçado por alguém da forma que você não se sente abraçado pela vida 

É uma necessidade 


É tão estranho sexo ser tabu e ser sempre reduzido a versões menores de si mesmo. 

Antigamente as pessoas se enfrufruzavam todas para ir em um salão de baile, as moças ficavam nos cantinhos esperando um rapazinho bonitinho convidar elas para dançar. Eu não acho que esse desejo é diferente do desejo de hoje. Não é diferente de ir numa balada. Afinal, no fim é sobre sexo né? Duvido que eles gostassem tanto assim de dançar.

Enfim, voltando ao fio da meada 


Será que as festas só são tão populares por que boa parte das pessoas não gosta da própria vida? Nesse caso ficar louco é uma obrigação, é seu bilhete dourado para ficar feliz um pouquinho, é sua chance. Ou nada a ver?

Em uma festa você não tem que pensar. Será que é esse o ponto de tudo? 

Estamos todos constantemente tentando ser bons, tentando ser gostados, tentando passar em todas as disciplinas, tentando um estágio, tentando fazer o seu chefe gostar de você (kkkk desabafo), você precisa se esforçar para essas coisas. Em uma festa, tudo que você precisa é o rosto que seus pais te deram e o carisma que o copão te deu. Nada é seu. Nada é pensado. Tudo é natural: voce acha alguém bonito e você tenta, voce ve um canudinho aceso girando na roda e voce aceita.


Tem também o fascínio de interagir com pessoas que não conhece, embora não precise de drogas para isso. Mas é assustador, as pessoas parecem ilhas. A universidade é muito grande e todo mundo é muito diferente. Quando ando pelo campus gosto muito de observar as pessoas e pensar que elas sentem tanto orgulho de estar ali quanto eu. Por vezes quando vejo o rosto de alguém fico imaginando esse mesmo rosto correndo a lista de aprovados e lendo o próprio nome, e abraçando a mãe, e pintando os antebraços… E é lindo pensar que TODO MUNDO que eu vejo lá passou por alguma cena minimamente similar a essa. Ser da Unesp nos dá uma unidade, de forma que em alguns anos quando eu estiver em algum emprego ou sei lá, sei que ouvir alguém falar que estudou na Unesp vai me fazer dizer “eu também!”e assim começar uma conversa. Porém até lá, ser da Unesp é muito vago- todos somos. E uma festa de republica da esse senso de unidade que precisamos para interagir. Essa sensação de “eu não sei se me orgulho de estar aqui mas você não pode me julgar porque você também está”, “ eu estou muito bebado mas você nem percebeu porque também está”, fica mais fácil interagir quando vocês compartilham um segredo. Muitas pessoas já se conheceram pedindo um Bic. É perfeitamente superficial, conhecer um monte de gente sem conhecer ninguém de fato, saber onde moram e o que fazem, e se entorpecer juntos.



As vezes eu gostaria de perguntar para as pessoas na festa por que exatamente elas estão ali. Sei os meus motivos, sei que eles são mais complexos se eu quiser que sejam ( podem ser muito rasos também se eu não quiser analisar direito) 

Mas imagina que estranho seria jkkkk 


Talvez a gente se drogue pra esquecer que tá virando adulto 

As festas de madrugada são para tentar desbloquear uma vigésima quinta hora no dia 

Dormimos pouco porque só se vive uma vez

Tudo tem esquenta e after

Porque são 8 períodos e já foi 1 

Porque são 10 períodos e já foram 5 

Porque a gente sempre tem medo de ser a última vez que somos felizes 

Porque a felicidade nos dias modernos é tipo um azeite que está constantemente acabando 

E como universitários sabemos a dor que é acabar o azeite porque significa desembolsar uma paulada  

E vamos usando aos pouquinhos, caçando seu gosto fraco na comida com a língua.

Talvez drogar-se seja uma vontade de expandir a vida 

Sentir que vive mais, que está vivendo em múltiplas dimensões simultaneamente.

Um jeitinho de fazer aquilo durar mais.

Sempre temos menos tempo do que gostaríamos.  


Eu tinha esse mesmo senso de escassez no ensino médio: tem que aproveitar, que temos só mais um ano, que a vida que eu conheço vai mudar drasticamente e eu não posso fazer nada para impedir isso, e eu vou ter que me virar. Que esses são os famosos melhores anos da sua vida.

Puta merda, o que vem depois do TCC? Você não é mais estudante, você é só um desempregado

E se não for, você é só um empregado, o que sinceramente pode ser até pior.


Mas por enquanto tem azeite. Tem caneca, tem tirante, eles tem o logo da Unesp que é um escudo dos bons (como vou me sentir fracassado se fiz tudo certinho? Passar numa faculdade publica é quase tirar nota máxima no desemprenho até aqui). Por enquanto tem gente gata, tem bebida batida na máquina de lavar, e tem drogas.



Escrevi esse texto, por ironia, bebada, , de madrugada, com muita dor de cabeça. Com vergonha, um pouco, mas feliz. Foi legal, não sei exatamente o porquê, e olha que estou pensando sobre a mais de uma hora.


Qual o sentido biológico da gente achar isso legal? É curioso e antinatural. Como animais, não deveríamos gostar de estar tão vulneráveis assim, não deveríamos gostar de algo que faz mal, que te deixa mal do estômago e da cabeça, não deveríamos gostar de errar, de desligar o cérebro, imagina se os primeiros hominídeos pensassem assim? Seríamos uma espécie extinta. Todos eles usariam cogumelos simultaneamente e seriam massacrados por um animal grande. O que mudou no nosso cérebro?


Temos medo da vida. E aí usamos drogas. 

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