Na estação espacial
Escrever sempre foi algo na minha vida.
Nem sempre um grande algo, sempre um algo. No quarto ano, lembro bem. Eu tinha uma amiga chamada Sofia e ela era um gênio e gostava de escrever. Eu também queria ser um gênio e gostava da ideia de impressionar a Sofia, e então eu começei. Na agenda de 2016, nas páginas das semanas que tivémos férias, se eu procurar ainda hei de achar uma história bem boba de uma luta entre a Sorte e o Azar, onde a nossa heroína fica encuralada num penhasco. Era bem raso, mas eu me divertia.
Antes disso eu mantinha um diário. Um diário-não-diário, porque era só quando eu tava a fim. Era libertador escrever tudo que eu pensava lá pelos oito anos, sem me preocupar se alguém e quem ia ler. Isso nem era uma possibilidade: era meu diário. Eu cresci e aprendi da forma díficil que o fato de ser meu diário não fazia ninguém esquecer como se junta b com a, e foi bem na época que eu descobri que alguns pensamentos que eu tinha eu não poderia ter (mas ninguém nunca tinha me dito que gostar de mulher era ilegal);
Eu continuei, mesmo assim, num caras-pintadas onde a única coisa pintada mesmo era a capa do meu díario, que eu trocava, camuflava, escondia. Já devo ter começado a escrever uns 3 livros nessa vida, nenhum passou da página 20. O primeiro (2019 creio eu), era sobre uma astronauta e a solidão de mudar tudo, só lembro disso. E mesmo sendo o mais antigo, me parece o mais promissor.
Ano passado começei a escrever uma comic, baseadas em crônicas que escrevi no ano anterior a esse. Também foi o ano em que criei um mural no padlet e recheei de relatos de solidão-pandemica. Ano passado criei um FACEBOOK e envelheci 30 anos, mas era privado e eu usava como vent e diário digital. Sempre escrevi em notas do celular e fico muito feliz que todos os antigos pifaram de uso e foram direto pro lixo, assim nunca vou ter que rever as monstruosidades que existiam lá. Agora escrevo poemas e posto no tiktok, escrevo textos sempre que algo dói, mas também sempre que algo cura. Escrevi 3 peças de teatro ano passado. Pra quê tanto texto??
Por que escrever tanto e sempre se 90% de tudo que eu já fiz é um lixo que não serve nem como matéria orgânica ou adubo de planta por não ser físico. Um lixo que não pode nem ser reciclado e virar essas garrafinhas moles de plástico reutilizado?
Honestamente não sei. Porque é natural. E não entro no clichê de dizer que é natural como respirar: não é. É mais como o sintoma de uma doença. Que nasceu quando eu nasci e talvez morra quando eu morrer chamada "se expressar". Talvez fosse mais eficaz canalizar toda essa vontade em só um meio, escrever uns 8 livros e virar uma escritora medíocre, ou artista mirim e vender alguns quadros pra gente milionária, mas eu não controlo o que a doença faz comigo.
No fundo sou a protagonista do meu primeiro livro (todos os personagens que escrevo precisam ser um pouco de mim): a astronauta durante uma missão, onde ela entra na nave com a coragem de saber que talvez e provavelmente não terá volta, e portanto escreve tudo sobre tudo que encontrou. Viaja sobre os planetas, passam os anos e as vezes ela até encontra outros astronautas, as vezes um ou dois alienígenas no caminho, mas no fundo está verdadeiramente sozinha em sua missão, e é por isso que escreve. Porque é humana, e qualquer robô pode pilotar a nave e escrever relatórios (e responder provas e postar storys). Mas só ela pode escrever o que ela escreve. Disse eu, 5 anos atrás, e faz sentido
"os textos ja estao prontos, parece até q ja existem e sao como quebra-cabeças, que eu só preciso descobrir, palavra por palavra, como montar"
Disse eu, 2 anos atrás, e faz sentido.
Eu escrevo porque eu posso. Da forma que se pudesse voar, voaria.
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